29/01/2012

As principais influências Orientais utilizadas nas abordagens da Terapia Cognitivo-Comportamental Contemporânea


Escrito por Marcus Deminco | Publicado em Quinta, 26 Janeiro 2012 22:26


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O futuro da humanidade ficará mais próximo da abordagem reflexiva, da meditação e da visão holística, pois o encontro do Ocidente com o Oriente só se faz possível por meio deste caminho, o caminho da verdade plena. (Osho, 1989). 

Embora existam mais de 25 tipos distintos de terapia cognitiva no mundo (ABREU, 2004 apud LEONARDI, 2007), indubitavelmente o modelo desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Aaron T. Beck, seguramente é o mais conhecido, com maior credibilidade científica e o que vem demonstrando grande eficácia no tratamento de diversos transtornos psicológicos. Freqüentemente confundida com a Terapia Comportamental, que é basicamente uma terapia de condicionamento e aprendizagem, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), nada mais é do que a utilização de algumas técnicas da terapia comportamental como um meio para atingir a reestruturação cognitiva. 
Em resumo, a terapia cognitiva Beckiana enfatiza que os eventos cognitivos (crenças centrais, crenças intermediárias, pensamentos automáticos) são as variáveis determinantes dos comportamentos e dos sentimentos; conseqüentemente, o recorte da sua intervenção é internalista. Enquanto a terapia comportamental, embora atribua extrema importância para os eventos privados no setting clínico, assevera que é nas relações com o ambiente externo que devem ser buscadas as explicações pertinentes para todo e qualquer comportamento; ou seja, o recorte da análise e da intervenção éexternalista. (ibidem). 
Segundo alguns dos principais preceitos da TCC, os comportamentos e os sentimentos são determinados pelos processos de pensamento, ou cognições, caracterizadas em crenças centrais, crenças intermediárias e pensamentos automáticos (Figura 1). As crenças centrais são estruturas cognitivas constituídas pelas convicções básicas que cada indivíduo tem sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo (por exemplo, "eu sou imprestável"). As crenças intermediárias são compostas por regras e suposições e, em geral, assumem formato de dever (por exemplo, "eu tenho que tirar a melhor nota da classe"). Os pensamentos automáticos, que se desenvolvem a partir das crenças centrais, são interpretações imediatas, rápidas, espontâneas e involuntárias das experiências (por exemplo, "serei reprovado na entrevista de trabalho") (FALCONE, 2001 apud LEONARDI, 2007). 



Figura 1: Os pensamentos automáticos também influenciam o comportamento e freqüentemente, conduzem uma resposta fisiológica. (BECK, 1997). 
A Terapia Cognitiva de Beck propõe, portanto, que as nossas emoções, assim como os nossos comportamentos não são simplesmente influenciados por eventos e/ou acontecimentos, mas sim pela forma através da qual processamos, percebemos e atribuímos significados às situações (Figura 2). Por conseguinte, através desses conceitos, o ser humano é um ser ativo, em uma busca constante por significados e explicações. Quando pensamos, por exemplo, estamos também interpretando essa realidade e a nós mesmos. 

Embora a maioria das pessoas não se dê conta, toda e qualquer emoção é acompanhada por pensamentos e, mais do que isso, é gerada pelos mesmos. Isto pode ser difícil de perceber, porque além das emoções poderem variar diversas vezes ao dia – dificultando prestar atenção na alteração das mesmas – pode parecer também que elas surgem do nada, sem influência alguma da pessoa. No caso específico da depressão, onde as variações de humor são pouco freqüentes, a pessoa pode ter menos idéia ainda do que a gera e mantém. (GARCIA, 2009). 
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A Psicologia Oriental & A TCC 


Enquanto a psicologia ocidental direcionava todos os seus esforços no intento de se posicionar no mesmo patamar da medicina; a fim da obtenção de crédito nas comunidades científicas, a Shinrigako (a psicologia sob a ótica Oriental) sempre deteve uma visão mais holística sobre o universo: buscando a compreensão do homem e do meio ao qual ele está inserido, como um todo inseparável, integrado e como um mesmo organismo. 
De acordo com Osho (1989) o problema com as terapias desenvolvidas no Ocidente é que elas estão limitadas a tentar tratar a mente, ao passo em que o Oriente há muito compreendeu que a própria mente, ou melhor, nossa identificação com ela, é o problema. As terapias podem ser úteis – como os estágios catárticos das meditações que desenvolveu – para aliviar as pessoas de suas emoções e medos reprimidos, e para auxiliá-las a se perceberem mais claramente. Porém, a não ser que comecemos a nos desapegar dos mecanismos da mente e suas projeções, desejos e medos, iremos sair de um buraco somente para cair num outro. A terapia, portanto, deve andar de mãos dadas com o processo de desidentificação e testemunho, conhecido como meditação. 
A palavra meditação, etimologicamente, deriva do latim, meditare, que significa desligar-se do mundo exterior e voltar a atenção para dentro de si. Também chamada de intuição linear, a meditação consiste num mecanismo que possuímos para veicular a consciência. Mecanismo que está localizado acima do organismo mental. Encontra-se no meio de dois pólos; a concentração e a contemplação. Nas filosofias religiosas do oriente, a meditação é vista como um estado que ultrapassa o intelecto, onde a mente é posta em silêncio para dar lugar à contemplação espiritual. Esse "calar a mente" induz uma volta ao centro para o vazio interior. 
Ainda sobre meditação, Osho (1989) complementa afirmando que a meditação é simplesmente um artifício para torná-lo consciente de seu verdadeiro eu – que não é criado por você – que não precisa ser criado por você, porque você já é. Você nasceu com ele. Você é ele! Ele precisa ser descoberto. Se isso não é possível, ou se a sociedade não permite que isso aconteça – e nenhuma sociedade permite que aconteça – porque o eu verdadeiro é perigoso: perigoso para a igreja estabelecida, perigoso para o estado, perigoso para a multidão, perigoso para a tradição, porque quando um homem conhece seu eu verdadeiro, ele se torna um indivíduo. Ele não faz mais parte da psicologia das massas; ele não será supersticioso, e não poderá ser explorado e guiado como gado, ele não poderá ser ordenado e comandado. 
A Filosofia do Yoga como prática meditativa refere-se à ciência de respirar bem e ensina a consciência da respiração para acalmar a mente e o estado emocional. O Yoga recomenda a respiração abdominal, também chamada de respiração diafragmática. Existe uma relação entre a respiração e o nosso estado emocional. Quando estamos calmos, por exemplo, respiramos tranquilamente, ao contrário, quando estamos ansiosos, nossa respiração fica mais agitada. A respiração e a mente estão intimamente ligadas. Ao aquietar sua respiração, sua mente automaticamente se acalma. Valendo-se desses conceitos podemos vislumbrar sólidas confluências entre as práticas orientais inseridas em algumas técnicas da Terapia Cognitivo-comportamental: 

Seja para enfrentar situações amedrontadoras, para ajudar a prevenir ataques de pânico ou mesmo para relaxar durante momentos cotidianos, uma técnica muito utilizada na Terapia Cognitivo-Comportamental é a Respiração Diafragmática, que envolve respirar utilizando os músculos do diafragma, aumentando assim a captação de oxigênio pelos pulmões. Como conseqüência, a pessoa se sente mais calma e a ansiedade é diminuída [...] Outra técnica utilizada pela TCC que também possuem semelhança com essas atividades é o Relaxamento Muscular Progressivo, que envolve relaxar o paciente a fim de ajudá-lo a perceber seu corpo em relaxamento. (EPAMINONDAS, 2009). 

Ainda sobre a eficácia dessas técnicas, entretanto, utilizadas na Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos (TCCG), Heldt (2008) destaca que a TCCG tem por objetivo corrigir as interpretações errôneas catastróficas e os medos condicionados das sensações corporais e evitações. As primeiras sessões são dedicadas para a compreensão cognitiva do medo e a aprendizagem de técnicas para enfrentar a ansiedade: 
1. Respiração diafragmática: orienta-se o paciente de que a respiração deve partir do diafragma, inspirando pelas narinas uma quantidade suficiente de ar e expirando pela boca. Os movimentos devem ser pausados para facilitar a desaceleração da respiração, contando-se até três para cada fase: inspiração, pausa, expiração e pausa para nova inspiração. Devem-se utilizar os músculos do abdome, sem movimentar o tórax (empurrando o abdome para fora enquanto inspira e contraindo-o para dentro enquanto expira). Para que o paciente aprenda essa nova forma de respirar, recomendam-se a sua prática várias vezes na ausência de sintomas de ansiedade, estando sentado ou deitado, a fim de observar a movimentação abdominal e concentrando-se na contagem dos movimentos. 
2. Relaxamento muscular: é um exercício que envolve a prática de tensão e relaxamento progressivo dos principais grupos musculares do corpo. Inicialmente, orienta-se ao paciente a postura confortável para a prática do exercício. Posteriormente, que feche os olhos e focalize a sensação de tensão, que deve iniciar nos pés, passando pelas pernas, quadris, abdome, mãos, braços, ombros e pescoço até chegar à face. Mantém-se essa tensão por um período de 5 a 10 segundos e, então, relaxam-se todos os músculos ao mesmo tempo. Deve-se induzir a descoberta das sensações de conforto que surgem após o relaxamento. O paciente pode repetir várias vezes o exercício, até que se sinta completamente relaxado, inclusive mentalmente, pensando em algo agradável e respirando lentamente. Após 1 ou 2 minutos, pode-se abrir os olhos e alongar os músculos, movendo-os lentamente. 
No entanto, dentro das técnicas psicoterapêuticas interventivas mais utilizadas pela Terapia Cognitivo-Comportamental com fundamentações em práticas orientais, destacam-se, atualmente, a Mindfulness, como promitente recurso para redução de estresse e prevenção de recaída de depressão e a Dialectical Behavior Therapy (Terapia Comportamental Dialética) com maior eficácia nos casos de Bulimia Nervosa, Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica e Transtorno de Personalidade Borderline. 
De acordo com Linehan (1993 apud NUNES-COSTA, 2009) a Terapia Comportamental Dialética (TCD) assenta em princípios Cognitivo-Comportamentais multimodais e foi originalmente desenhada para o tratamento do transtorno de personalidade Borderline, sendo a sua aplicação terapêutica conduzida sob a alçada de uma epistemologia dialética. Inspirada no budismo a TCD consiste em manter uma atenção ampla e tolerante dirigida a todos os fenômenos que se manifestam conscientemente ao seu entorno. Atualmente, a American Psychiatric Associationassume a TCD como o tratamento de regulação afetiva mais eficaz e empiricamente suportado para esse tipo de transtorno. A lógica dialética da terapia envolve a aceitação dos pacientes nas suas atuais dificuldades – por exemplo, pelo recurso a estratégias como o Mindfullness, ao mesmo tempo em que faz uso das suas competências para a modificação dos comportamentos desajustados – por meio de um componente didático, análise metódica e interativa das cadeias comportamentais, entre outras estratégias comportamentais. 
No que se refere a estudos sobre a eficácia da TCD em populações diagnosticadas com transtorno da compulsão alimentar periódica, Telchet al (2000 apud NUNES-COSTA, 2009) apresentaram o primeiro estudo controlado, evidenciando que 89% dos indivíduos do grupo sujeito às estratégias dialéticas cessaram os comportamentos de compulsão alimentar periódica até quatro semanas após o término da intervenção, em comparação com apenas 12,5% do grupo-controle. Evidenciaram-se ainda melhoria significativa da imagem corporal e redução da preocupação relativa à alimentação nos participantes submetidos a TCD. Uma pesquisa realizada por Wilfley et al.(2002 apud ibidem), demonstrou também uma redução significativa no número de Binge e dos atos purgativos. 
Com base nas práticas espirituais zen, o Mindfulness poderá ser considerado o âmago da TCD. Essa estratégia, uma vez praticada em contexto terapêutico e aplicada pelos pacientes na sua realidade contextual, permite-lhes experenciar emoções sem que eles reajam por meio de comportamentos alimentares desajustados. Essa técnica facilita o acesso a uma wise mind (mente sábia), num equilíbrio entre razão e emoção, permitindo-lhes vivenciar, observar e descrever uma experiência num determinado momento, num equilíbrio entre a experiência emocional e um raciocínio lógico, enfatizando o que é efetivo, e não sob coação de pensamentos dicotômicos envolvendo julgamento de valores morais. (FEIGENBAUM, 2007 apud NUNES-COSTA, 2009). 
Kabat-Zinn (1990 apud VANDENBERGHE, 2006) define Mindfulness como uma forma específica de atenção plena – concentração no momento atual, intencional, e sem julgamento. Manter-se em contato com o presente e não estar envolvido com lembranças ou com pensamentos sobre o futuro. Originário das práticas meditativas orientais, o Mindfulness passou a fazer parte da medicina comportamental a partir dos programas de redução de estresse e das técnicas de prevenção de recaídas da depressão. 
Tradicionalmente, o programa de redução de estresse é feito com grupos de 30 pacientes, com 8 sessões semanais, e com duração de cerca de 2 horas cada. O treino inclui muitas tarefas de casa. Cada participante é solicitado a dedicar até uma hora diária à prática e a planejar um dia intensivo deMindfulness por semana. Ocorre através de exercícios formais e informais. Teasdale propõe um modelo psicológico detalhado – o modelo de subsistemas cognitivos interativos - para fundamentar o uso do treino de Mindfulness na prevenção de recaída da depressão em pessoas que passaram com sucesso pela terapia cognitiva. (KABAT-ZINN, 1990; TEASDALE, 1999 apud VANDENBERGHE, 2006). 
Assim, enquanto o Mindfulness promove uma mudança geral na maneira de lidar com eventos privados, Beck (1995) e Ellis (1974 apud ibidem) ensinam a modificação de crenças irracionais e distorções cognitivas específicas. O cliente aprende a observar e identificar os pensamentos depressogênicos, distorções cognitivas e crenças irracionais e a corrigi-los. Porém, como salientam Segal, Teasdale e Williams (2004 apud ibidem), há um aspecto de Mindfulness que já estava implicitamente presente nestas terapias: participando do trabalho de reestruturação cognitiva, o cliente logo aprende que o pensamento sobre si mesmo não é a representação correta da realidade. Aprende que as mudanças em suas atitudes influenciam suas reações emocionais. Também descobre que pode pensar diferentemente e que os conteúdos dos seus pensamentos, longe de serem informações objetivas e confiáveis, são produções subjetivas dele próprio. 
Desta forma, a terapia cognitivo-comportamental tradicional implicitamente promove mudanças amplas na relação que a pessoa mantém com seus pensamentos. Como resultado de repetidamente identificar pensamentos, crenças e distorções e tomar uma atitude crítica em relação a estes, o cliente pode realizar uma mudança geral em sua perspectiva para com os eventos cognitivos. Ao invés de vê-los como atributos de si mesmo ou representações de fatos, acaba vendo-os como eventos internos que não possuem necessariamente valor literal. É possível que esta similaridade no nível prático (apesar da inovação teórica) tenha facilitado a rápida absorção de Mindfulness na tradição cognitivo-comportamental. (VANDENBERGHE, 2006). 

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