Rosemeire Zago *
"A dor não surge
apenas por estimulação periférica,
mas também por uma
experiência da alma,
que reside no
coração".
Platão
O que podemos dizer sobre aquela
dor que muitos definem como dor d'alma ou dor no coração, mas que, na verdade,
não há nada que a comprove nos exames laboratoriais? É claro que sabemos que a
dor, tanto física quanto emocional, é essencial para a sobrevivência e
integridade de nosso organismo, mas em alguns momentos pensamos que não
conseguiremos suportá-la. Mas qual o significado da dor emocional?
Dor, etimologicamente, origina-se
do latim dolore. Sofrimento moral, mágoa, pesar, aflição, dó, compaixão. É,
também, a emoção típica de uma tristeza profunda, causando muitas vezes o
choro. A dor pode ser usada pelo inconsciente com a finalidade simbólica de
expressar uma mensagem para o mundo ou para alguém em especial, podendo ser nós
mesmos. Isto significa que a dor pode querer dizer algo, pode ter um
significado. "Quando uma pessoa usa a expressão: "você feriu os meus
sentimentos", poderá estar dizendo a pura verdade. Uma dor de rejeição não
é menor do que aquela que sentimos ao esmagar o dedo. Não há dor maior ou
menor, independente do que a gerou. É preciso entrar em contato não com os
fatores externos que desencadearam a dor, mas seu significado dentro da psique,
pois a dor muitas vezes é o inconsciente se expressando de forma simbólica.
Existem vários tipos de dor
citados na literatura, mas quero me referir aqui à dor que vem de dentro, sem
nenhum estímulo concreto externo; a dor emocional, chamada de dor psicogênica
(de origem psíquica) que é aquela onde não é encontrada nenhuma doença ou
lesão, sendo considerada um sintoma freqüente em pessoas com conflitos
emocionais e com tendência a negar esses conflitos, que podem se fazer
presentes através da dor. É muito comum a dor ser mais intensa em quem tem
dificuldade para expressar o que sente, havendo um bloqueio da expressão
afetiva. Nesse caso, a pessoa carrega uma agressividade contida, como uma
energia represada, reprimida, e que precisa ser liberada, extravasada, podendo
se tornar agressiva não apenas com os outros, mas principalmente consigo mesma.
Mesmo a dor física sem causa
concreta depende da sensibilidade de cada um e que se diferencia pelo limiar
doloroso. Em períodos de muita tensão esse limiar também poderá diminuir, pois
está relacionado com as endorfinas (substância liberada no interior do
organismo) que podem ser entendidas como analgésicos. E o nível das endorfinas
está relacionada com nosso estado emocional. As pessoas deprimidas tendem a ter
essa taxa baixa e sentirá dor com mais intensidade. Não podemos negar que mesmo
na dor física a emoção é um fator importante.
A maneira de encarar um dano
sofrido pode determinar a intensidade e duração da dor, podendo tornar-se mais
intensa quando ignorada ou punida. É preciso compreender como a pessoa está
sentindo a dor e o que isso representa. Na verdade, a dor emocional é uma só:
ela depende exclusivamente de quem a sente, geralmente sentida em silêncio, no
escuro do quarto, sem que ninguém mais saiba, porque em geral ela será
reprimida se a expressar, assim como aprendemos desde crianças.
Na dor psicogênica há alguns
traços importantes nos chamados pacientes propensos à dor, como:
- Proeminência de culpa;
- História de sofrimentos
freqüentes;
- Intensos impulsos agressivos
não satisfeitos;
- Aparecimento de dor diante de
uma perda, real ou ameaçada.
É interessante notar que o que
deu origem ao termo inglês pain que traduzido significa dor, foi a palavra
latina "poena" e a grega "poiné", ambas significando
castigo, punição, fazendo assim uma conotação entre castigo e dor. Muitas vezes
a dor é sentida como um castigo/punição para muitas pessoas, principalmente
quando se sentem culpadas. A culpa geralmente intensifica a percepção da dor,
trazendo em si uma necessidade inconsciente de punição, muitas vezes
dificultando a busca pela elaboração e compreensão do conflito que a causou. A
culpa sempre gera uma necessidade de autopunição.
Na dor emocional, não há lesão
nem doença, porém a impressão física parece real. Há uma angústia no corpo
todo, provocando um aperto no peito, dificuldade de respirar, uma sensação que
o coração vai partir. É comum a expressão: "dói na alma, no fundo do
coração". A dor, no coração do nosso ser, é o sinal incontestável da
passagem de uma prova. Quando uma dor aparece, podemos acreditar que estamos
atravessando uma prova decisiva. A prova de uma separação, deixando-nos súbita
e definitivamente, nos transtorna e nos obriga a nos reconstruir. Seria falso
acreditar que a dor psíquica é um sentimento exclusivamente provocado pela
perda de um ser amado. Ela também pode ser dor de abandono, quando o amado nos retira
subitamente o seu amor; de humilhação, quando somos profundamente feridos no
nosso amor-próprio; da decepção; da espera. Os motivos que nos causam dor podem
ser muitos, mas em geral a dor só existe sobre um fundo de amor. Mas como
reconstruir diante de tanta dor?
A dor não tem apenas aspectos
negativos, é uma forma de aviso, alarme, um enorme sinal dizendo que algo está
errado, e que devemos nos conscientizar dos sentimentos originais reprimidos e
negados. Quanto mais importante é o fator desencadeante da dor, ou seja, a
origem da dor original, mais ela será sentida. Por isso é muito comum a dor
intensa, sem fim, em términos de relacionamentos, diante da morte de uma pessoa
amada, enfim, nas situações de perdas.
Se a dor emocional implica em
sofrimento, e esse é resultado de um conflito reprimido, podemos sim, buscar
identificar a origem dessa dor, confrontar tudo que ela carrega, explorar toda
a situação envolvida, identificar culpas, histórico de vida, enfim, enfrentando
aquilo que tanto nos machuca através do processo terapêutico, podemos evitar
assim que uma doença se instale. A dor é sempre um sinal de aviso! Cabe a cada
um se perguntar: "o que essa dor está querendo transmitir? O que preciso
entender, aprender?" E é claro, é preciso querer ouvir a resposta!
Todo sofrimento que advém da dor
emocional pode ser uma forma de conduzir, nós, seres humanos, tão (in)certos do
que queremos para nós, que esse momento de sofrimento, desespero, em que
"inconscientemente" nos referimos a dor emocional, dor d'alma, pode
ser percebido como um sinal da necessidade em buscar uma maior espiritualidade
e autoconhecimento. A dor emocional pode ser uma das formas de nos levar a
Deus, cada um da forma que o concebe, mas do ponto de vista psicológico pode
ser entendido como a busca de si mesmo. Ou seja, a compreensão da mensagem,
ainda que simbólica, transmitida pela dor emocional, pode ser o diferencial que
pode nos conduzir ao crescimento e a cura.
Rosemeire Zago* é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento através de
técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos, importância das coincidências
significativas, mensagens e sinais na vida de cada um, promovendo também o
reencontro com a criança interior.
Fonte:
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Psicossomática VII: A família que adoece
Psicossomática VI: A escolha de um sintoma
Psicossomática V: Entendendo o processo de adoecer
Psicossomática IV: Por que adoecemos?
Psicossomática III: O Inconsciente
Psicossomática II: O sintoma como expressão da alma
Psicossomática I: A relação entre corpo e psique
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